Diário A farsa de Inês Pereira:
Querido diário, chamo-me Inês Pereira e queria partilhar contigo as
dificuldades e felicidades pelas quais tenho passado.
A minha mãe e sua amiga Lianor Vaz sempre me obrigaram a viver uma vida
sem significado em que o meu papel era apenas realizar as mais comuns e
insignificantes tarefas, não existindo qualquer tipo de estímulo intelectual.
Este desapego pelo conhecimento e ignorância sempre me foram, e sempre serão,
incompreensíveis. A única coisa que elas esperam que eu faça é casar com um
homem rico e com posses para se verem livres de mim, mas para mim nada disso
importa. Pode ser o homem mais feio e pobre do Mundo, desde que seja sabido já
me fará uma pessoa feliz.
Durante muito tempo foi assim que pensei e por isso foi tão fácil
rejeitar Pêro Marques, um homem que embora tivesse posses tinha uma visão
demasiado simplista, ao contrário de Brás da Mata que aparentava ser o príncipe
pelo qual sempre esperei, um escudeiro culto e sofisticado.
Apenas após o meu casamento com Brás, e todas as torturas as quais me obrigou a
viver é que me apercebi de que o mais importante
não é o aspeto, nem a carteira e nem o intelecto, mas sim a sua disponibilidade
para me tratar como uma pessoa igual. Brás tratou-me como um objeto que podia
ser guardado e estava sempre disponível para quando era necessária a sua
utilização. Não só me privou da minha liberdade por me ter trancado num quarto
por puro ciúme, como também me deixou completamente sozinha. Muito ao contrário
de Pêro a quem dei uma segunda oportunidade. Pêro não só me trata como mereço,
como também consigo usar a sua falta de conhecimento a meu favor, não serei
novamente mal tratada. Pêro pode não ser o mais bonito, o mais sofisticado, mas
com certeza gosta de mim. Mesmo apesar de o ter humilhado ele aceitou-me de
volta. “Mais quero asno que me levo do que cavalo que me derrube”.